
A maioria (58%) das empresas portuguesas não pagou IRC em 2002 por apresentar, na maior parte dos casos, resultados negativos ou nulos. Esta situação, revelada pelo Jornal de Negócios, não é um espelho da crise, mas o perpetuar de uma tendência de fuga às responsabilidades fiscais.
d.r.
(Nesta falsidade das declarações tributárias) podemos rever o país que funciona com permanentes expedientes e truques para fugir às mais básicas obrigações legais, sociais ou de cidadania (...) É quando olhamos para estes números que não podemos deixar de nos indignar com os protestos contra o remendo do Pagamento Especial por Conta, escreve, em editorial, o director-adjunto do Jornal de Negócios, Paulo Ferreira. Este jornalista não hesita em concluir que Portugal funciona como um verdadeiro paraíso fiscal, argumentando que não passa pela cabeça de ninguém que seja possível a sobrevivência de um tecido económico onde mais de metade das empresas diz que acumula prejuízos ao longo de anos sucessivos.
De acordo com os dados pedidos pelo Jornal de Negócios ao Ministério das Finanças é isso, precisamente, o que se passa. Os números relativos à execução do IRC relativa ao ano de 2002, divulgados na edição desta segunda-feira daquele diário, mostram que, das 316 mil empresas que entregaram a respectiva declaração de rendimentos, apenas 42% pagaram IRC. É que deste universo apenas 51% das empresas apresentaram lucros, enquanto 37% apresentaram prejuízos e 12% resultados líquidos nulos.
O jornal salienta que estes prejuízos e resultados nulos não são um espelho de uma qualquer conjuntura de crise em 2002, referindo que também em 2000 e 2001 a percentagem de empresas com lucros não ultrapassou os 51%. Ainda assim, a liquidação positiva do IRC evoluiu de forma positiva nestes três anos, aumentando de 35% para 42%, mas ainda está aquém do que seria uma real tributação de resultados empresariais.
Os números revelados pelo Jornal de Negócios mostram ainda mais assimetrias na liquidação do IRC em 2002. Logo à partida, das 316 mil empresas que apresentaram declaração de rendimentos, apenas 133 mil tiveram lucros tributados, num total de 2.864 milhões de euros liquidados (menos 12,5% que em 2001). Metade deste total foi pago por apenas 300 empresas (0,1% do universo empresarial), ou, visto de outro ângulo, dois terços do IRC apurado resultaram da tributação de 1.330 empresas (0,4% do total). Foi ainda constatado que as empresas sediadas em Lisboa contribuíram em 56% para o IRC apurado.
Os dados revelam também uma assinalável quebra nos lucros empresariais em 2002. Nesse ano, as 161,8 mil empresas que fecharam o ano com contas positivas apresentaram lucros totais de 16,1 mil milhões de euros. Este valor representa uma quebra de 7% face a 2001... e de 36% face a 2000. Ou os mecanismos a que recorrem as empresas para ludibriar o Fisco se tornaram mais eficazes, ou, de facto, este será mesmo um sinal de crise.
Paulo Marcelino com Jornal de Negócios